Ontem, tento dormir. Algo me desperta: a escrita, para continuar
o que comecei há cerca de uns dois dias atrás (ou mais?)... O que sei é que de
início, só anotei a ideia central que tive, a partir de uma matéria do
noticiário. E deixei pra lá, como faço
com muitas ideias. Então, a minha gata, a Pantufa, roeu a ponta das três folhas
que deixei destinadas para continuar a escrever, um dia, talvez, este texto que
ficou intacto, porém marcado pelas mordidas da minha gata, enquanto eu sentia saudades diante da perda da minha outra gata, a Cota.
Gatas...a me falar!Fazem todo o sentido...
São 3:30 da madrugada, escrevo
enquanto escuto o barulho da chuva lá fora (um barulho bom). Acordo hoje,
domingo, dia 14/4/13 e continuo a reler e escrever o texto, interrompido pelo
sono, desta vez.
É um conto: autobiográfico, verossimilhante...se é bom ou
ruim, não sei. Insisto, ainda, em não fazer qualquer alarde do que escrevo,
enquanto me acostumo a minha dualidade: a necessidade de escrever e minha
resistência em escrever,ou, meu desejo de escrever versus meu desestímulo e
falta de disciplina, diante desse terreno baldio das palavras e muitas ideias.
A história: uma mulher, em sua casa, vendo TV, ouve a
notícia de que foi encontrado um corpo não identificado. Toda a descrição dada
bate com suas características, sexo, idade aproximada e, inclusive, as três
tatuagens, nos mesmos lugares, que carrega em seu corpo. Então, ela diz: “ – Sou
eu!Eu estou morta!” E passa a acreditar nisto...O desenrolar da história guardo
“ na gaveta”.Mas, como exercício pessoal, posto aqui parte do conto.
Título: No noticiário
Epígrafe: baldio é meu terreno e meu alarde (Legião Urbana)
Ela escutava a TV. Sentada no
sofá, havia interrompido algo que fazia em seu computador e que a estava
deixando exausta.
Ela mora só. Antes com ela, uma
gata, sua única e verdadeira amiga. Agora só a solidão da perda, a necessidade
de superar, já que sua gata morreu a cerca de um mês, e a raiva muda por não
entender o porquê um ser amado se vai, ela que nunca aceitara a impossibilidade
de fazer algo diante da morte, esta sentença que não dialoga conosco. Se fosse
perguntada, ali, sentada, inerte,
olhando para um aparelho de TV e pensando como aceitar mais esta perda, ela que
já passara por outras: sua avó, seu pai,
um tio querido,algumas pessoas que admirava, amigos, diferentes perdas, o que
ela, de fato, desejaria diante da mais
recente, ela diria que gostaria que a vida fosse como antes. Com o amor que
tinha.
Dizem que os gatos escolhem as pessoas e não o contrário. Entre
elas havia uma combinação, ambas aceitaram, olhando-se, olhos humanos nos olhos
felinos, uma a outra, a aderir ao amor
incondicional. Esse tipo de escolha que parece ser oferecida aos seres num
instante, que dura um piscar de olhos, ou um olhar, e, se os dois seres aceitam,
há amor envolvido.
Foi o que aconteceu ente ela e sua amiga gata.
Mas ali, diante da TV , ela
sabia, não tinha esta possibilidade de escolha. E sentia sua vida de agora diferente,
mais solitária, vazia. Passaria um dia; a dor amenizaria, um dia. O
esquecimento ajudando a memória a não adoecer. E foi vendo e ouvindo o
noticiário com maior atenção que uma notícia, em particular, chamou-lhe a
atenção: uma mulher havia sido encontrada morta, num terreno baldio. De início a
comoção, mas nenhuma surpresa, afinal de contas, tantas mulheres assassinadas
por dia no país que é o seu...O que despertou sua atenção foi quando o repórter
descreveu as características da mulher, ainda não identificada: a idade
aproximada, o tipo físico mediano, a cor da pele, dos cabelos e, mais, as três
tatuagens que a tal mulher carregava em seu corpo: uma borboleta no pé
esquerdo, uma frase no antebraço esquerdo e flores no direito.
Ela acabou de ouvir a descrição
estarrecida e ficou ainda mais, com o pensamento que lhe veio à cabeça: – Esta
mulher sou eu!Eu estou morta!
Uma espécie de pânico poderia ter
invadido o seu interior, como já ocorrera em certas situações, mas nada se assemelhava
a esta situação, ou melhor, a esta constatação.
Uma calma, como uma rendição,
tomou-a, e ela deu um longo suspiro. O que faria, a partir de agora, então? A
partir desta descoberta?
Continua...
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